Tentativa de suspensão da decisão foi negada pelo desembargador, fazendo com que o Poder Judiciário maranhense garanta escolas de qualidade para os estudantes de São Luís.
O Desembargador Jamil de Miranda Gedeon Neto indeferiu pedido de efeito suspensivo feito pelo Município de São Luís, que objetivava suspender decisão do magistrado Douglas de Melo Martins (Juiz Titular da Vara de Interesses Difusos e Coletivos da Comarca da Ilha de São Luís), tomada em sede de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Maranhão, através da atuação do Promotor de Justiça Lindonjonsom Gonçalves de Sousa.
Para Jamil Gedeon, a decisão que o Município de São Luís pretende suspender buscou “garantir direitos coletivos e difusos, em especial no que se refere ao acesso à educação em condições adequadas, notadamente em comunidades vulneráveis.” A decisão de Jamil ampara os mais pobres!
Jamil e Douglas dão uma lição aos gestores do Município de São Luís que lidam com a área de saúde, com decisões bem elaboradas, precisas, imparciais e serenas, demonstrando que emsituações em que a inércia administrativa impede a realização de direitos fundamentais, não há como o Poder Judiciário se omitir, tendo legitimidade para interferir na implementação de políticas públicas, sem que tal intervenção viole o Princípio da Separação dos Poderes.
Direito e Ordem não poderia deixar de divulgar para a sociedade, trechos da sentença materializada por Douglas Martins e que escancara a realidade de várias unidades escolares de São Luís. Vejamos alguns parágrafos:
“No caso dos autos, pode-se perceber que as escolas situadas nos bairros mais pobres de São Luís e predominantemente ocupados por pessoas negras apresentam desvantagens quanto à infraestrutura e disponibilidade de recursos, serviços e insumos básicos, ausência de profissionais suficientes, de janelas e de salas de recursos, entre outros problemas. Ademais, foi possível constatar também um número superior de alunos por sala de aula, gerando superlotação.
Em visita à UEB Araripina de Alencar Fecury, por exemplo, localizada no Bairro de Fátima, um bairro da capital com população eminentemente negra, realizada em setembro de 2021 (id 56600068, p. 53), foi possível constatar que:
“A UEB tem a seguinte estrutura: um salão, logo na entrada da escola, que aloja as crianças da creche, de 2 e 3 anos pela manhã e Pré-Escola, de 4 e 5 anos, no turno vespertino, não há espaço externo para o desenvolvimento de atividades lúdicas. Outros espaços observados foram a cozinha, direção, secretaria e banheiros. Sabe-se que a Educação Infantil, primeira etapa de escolarização e, de acordo com as necessidades iniciais do desenvolvimento motor, social, cognitivo e emocional, deve compor de metodologias, recursos e estratégias adequadas, bem como espaço que propicie o pleno desenvolvimento integral do ser. Como observado pela Comissão durante a visita, a UEB Araripina de Alencar Fecury fere os direitos da criança em todos os aspectos vitais de um desenvolvimento pleno.
O parecer pedagógico desta 2ª Promotoria em Defesa da Educação é pela transferência dessa Unidade de Educação Básica para um espaço que venha a favorecer e minimizar as distâncias intelectuais, tão bem apontadas pelas pesquisas, entre os estudantes das escolas públicas e privadas do país”
Foi realizada, ainda, vistoria na UEB Rosário Nina, localizada também no Bairro de Fátima, com o seguinte parecer (id 56600068, p. 55):
“A escola atende em prédio próprio o Ensino Fundamental do 1° ao 9° ano, contando com 525 estudantes, que no momento estão somente com ensino remoto, pois não há previsão para retorno. A última reforma ocorrida na estrutura foi realizada em 2013.
A UEB tem a seguinte estrutura: 10 salas de aula, biblioteca, sala de professores, banheiros (estão interditados devido a um problema crônico de esgoto, inclusive, no momento da visita foi possível sentir o odor fétido que exalava do mesmo em todo o corredor da escola), cozinha, sala de recursos, diretoria, secretaria, sala de professores, sala de informática. A escola não possui refeitório, a alimentação é realizada nas salas de aula. Os aparelhos de ar-condicionado estão desativados, pois queimaram em virtude das condições elétricas. Todos os ambientes da escola, devido à falta de reparos no teto, estão com infiltração e mofadas ocasionando perdas dos materiais e dos documentos escolares. O espaço geral da escola é escuro e sem ventilação natural. A escola não possui área externa.
Os livros didáticos que chegaram na escola, conforme a diretora, foram devidamente entregues aos estudantes em maio de 2021.
O parecer pedagógico desta 2ª Promotoria em Defesa da Educação é pela reforma estrutural, elétrica e hidráulica para que a escola possa ter condições para receber os estudantes e professores no retorno presencial”.
O relatório de visita técnica da UEB Maria Rocha, localizada na Avenida dos Africanos, no bairro Areinha, concluiu o seguinte (id 56600068, p. 57):
“A escola atende em prédio próprio o Ensino Fundamental do 1° ao 9° ano, contando com 340 estudantes, que no momento estão somente com ensino remoto, pois não há previsão para retorno. A última reforma ocorrida na estrutura foi realizada em 2017. A UEB tem a seguinte estrutura: 06 salas de aula, biblioteca, sala de professores, banheiros, cozinha, diretoria, secretaria, sala de professores, não possui sala de recursos. A escola não possui refeitório, a alimentação é realizada nas salas de aula. Tem uma pequena área externa. Todos os ambientes da escola, devido à falta de reparos no teto, estão com infiltração e mofadas ocasionando perdas dos materiais didáticos e pedagógicos e dos documentos escolares. O espaço geral da escola é escuro e sem ventilação natural. As instalações elétricas e hidráulicas estão deterioradas.
Os livros didáticos que chegaram na escola, conforme a diretora, foram devidamente entregues aos estudantes.
O parecer pedagógico desta 2ª Promotoria em Defesa da Educação é pela reforma estrutural, elétrica e hidráulica para que a escola possa ter condições para receber os estudantes e professores no retorno presencial”
A vistoria realizada na UEB Professor João Lima Sobrinho (id 56600068, p. 95), localizada no Conjunto Dom Sebastião, nas proximidades da região do Coroadinho, bairro também constituído por população predominantemente negra, constatou que:
“(…) o prédio tem uma excelente localização e a estrutura física, que, apesar de desgastada, é espaçosa, com boa ventilação e claridade, porém necessitando de reparos em todas as dependências. As salas de aulas estão com as janelas quebradas, pichadas, sem lâmpadas, ventiladores cadeiras e portas quebradas e, em outras salas, totalmente sem portas, o forro de PVC caindo e cheio de excrementos de pombos, que, conforme observamos, tomam conta do ambiente escolar.
As paredes, devido à umidade, estão com limo e mofo. Tem casa de marimbondos e os banheiros estão desativados por falta de manutenção hidráulica e estrutural.
O ambiente é sujo e mal cuidado.
O espaço destinado à Sala de Atendimento Especializado não tem acesso adequado para cadeirantes.
O matagal toma conta das áreas externas da escola.
Durante a visita, a comissão foi surpreendida com a queda de telhas despencando devido ao excesso de pombos, o que por muito pouco não ocasionou um acidente grave com o assessor Enéas.
A Escola atende 3 turnos e possui mais de 1000 estudantes. A Diretora informou que a escola possui uma quadra, porém, no outro lado da rua, mas que não estão utilizando devido a ameaças de violências pelos marginais do bairro.
A Escola atende 3 turnos e possui mais de 1000 estudantes.
A Diretora informou que a escola possui uma quadra do outro lado da rua, mas que não estão utilizando devido a ameaças de violências pelos marginais do bairro”
Ainda, na vistoria realizada na UEB Carlos Macieira (id 56600069, p. 113), atestou-se que:
“A Comissão foi recebida pela Diretora Adjunta que informou que o prédio é alugado e apresentou as dependências da escola. As salas são pequenas, sem ventilação, sem janelas; os corredores são estreitos, sem condições de passagem de cadeirantes; os banheiros são pequenos; não há área externa e a interna é inadequada para as crianças utilizarem. A entrada da escola é inapropriada, pois não permite uma recepção acolhedora às crianças e seus familiares.
A escola não possui nenhum item contemplado no protocolo de segurança sanitária da SEMED para reinício das atividades escolares.
O Parecer Técnico Pedagógico, referente às observações realizadas, é pela interdição imediata do prédio e transferência da escola para outro espaço que possa garantir o ensino/aprendizagem das crianças”.
Há, ainda, ata de reunião juntada pelo Ministério Público referente a diálogos da 2ª Promotoria de Justiça de Defesa da Educação com o SINDEDUCAÇÃO, na qual constam diversas reclamações sobre a precariedade das escolas municipais, necessitando, na sua grande maioria, de reformas (ids 56600931).
Outrossim, por meio da análise dos relatórios de vistorias juntados pelo próprio Município de São Luís, por meio da Secretaria Municipal de Educação – SEMED (ids 56601988, 56601991, 56601992, 56601995 e 56601996), pode-se perceber que a maior parte das escolas visitadas precisa de reformas, necessitando de manutenção nos serviços elétricos, reformas nos banheiros, refeitórios e telhados. Muitas apresentam péssimo estado de conservação, com rachaduras, infiltração e mofo nas paredes, dentre outros problemas.
(…)
Diante disso, RECONHEÇO um estado de coisas inconstitucional na educação pública do Município de São Luís, caracterizado pela baixa qualidade do ensino, inexistência de estrutura adequada, ineficiência de gestão e de políticas públicas adotadas, insuficiência de vagas, entre outros aspectos que fazem com que as escolas situadas em bairros majoritariamente ocupados pela população negra sejam esquecidas pelo poder público.
(…)
Nesse sentido, ao Poder Judiciário cabe corrigir possíveis desvios do processo legislativo ou do procedimento administrativo que afrontem normas constitucionais ou legais de cunho formal ou material (controle de constitucionalidade e controle de legalidade), mas nunca deve o julgador substituir o juízo de valor dos poderes Legislativo ou Executivo, que agem como longa manus do povo, por meio do poder transferido pelo voto, sob pena de quebra do princípio democrático, alicerçado na separação dos poderes.
(…)
Ante o exposto, nos termos do art. 487, I, do CPC, ACOLHO, em parte, os pedidos formulados pelo Ministério Público do Estado do Maranhão e, por conseguinte, CONDENO o Município de São Luís a:
a) Elaborar e apresentar, no prazo de 6 (seis) meses, um plano de recuperação das estruturas das unidades escolares localizadas nos bairros mais pobres do Município de São Luís, com metas e indicadores de desempenho ano a ano, bem como estabelecer medidas complementares que promovam a equidade nas escolas situadas em bairros de alta vulnerabilidade social, habitados por população eminentemente negra, como a aplicação de maiores investimentos direcionados às condições infraestruturais e pedagógicas para oferecer ensino de qualidade a essa população, a ser implementado em até 2 (dois) anos; e
b) Elaborar e apresentar, no prazo de 6 (seis) meses, um plano de implementação de políticas públicas voltadas à formação escolar quilombola rural e urbana, direcionadas à promoção e desenvolvimento das populações afrodescendentes, seguindo as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola (DCNEEQ) nos estabelecimentos de ensino situados em áreas remanescentes de quilombos, a ser implementado em até 2 (dois) anos.
O Município de São Luís deve, ainda, comprovar, de 3 (três) em 3 (três) meses, o efetivo cumprimento e avanço dos referidos planos, bem como todas as medidas adotadas.
Além disso, RECONHEÇO um estado de coisas inconstitucional na educação pública do Município de São Luís, caracterizado pela baixa qualidade do ensino, inexistência de estrutura adequada, ineficiência de gestão e de políticas públicas adotadas, insuficiência de vagas, entre outros aspectos que fazem com que as escolas situadas em bairros majoritariamente ocupados pela população negra sejam esquecidas pelo poder público.”
Veja abaixo as íntegras da sentença do juiz Douglas de Melo Martins e da decisão do Desembargador Jamil de Miranda Gedeon Neto.
Do Direito e Ordem