Por Abdon Marinho*
CINÉFILO, trago na memória os filmes que mais me emocionaram ao longo dos anos. Entre estes destaco a trilogia “O Poderoso Chefão”, magistral obra Francis Ford Coppola. Logo no início do primeiro filme, lançado no Brasil em 1972, aparece o chefão Vito Corleone, na interpretação estupenda de Marlon Brando, recebendo o agradecimento e um “beija-mão” por um “favor” prestado a um agente funerário, que humildemente e com claro temor pergunta como poderá pagar pelo que foi feito.
Na minha lembrança é mais ou menos assim. Respondendo-lhe D. Corleone que no momento certo saberá como pagar pelo obséquio.
Guardem essa cena.
À ilha do Maranhão cheguei, de forma definitiva, em 1985, para iniciar o ensino médio no Liceu Maranhense, portanto, há quase quarenta anos. Não lembro, em todos estes anos de ter testemunhado, nem mesmo de “ouvir falar” de questionamentos sobre as escolhas dos imortais da Academia Maranhense de Letras – AML.
De tão discretos, os imortais, pouco se sabe deles ou o que fazem e muito menos das eleições que realizam para a escolha do sucessor do “morto-rotativo”. Talvez, aqui e ali, algum buchicho ou decepção com esta ou aquela escolha. Nada que ultrapassassem os umbrais da Casa, na Rua da Paz, quando muito, chegando ao Senadinho da Praça João Lisboa, logo à frente, assim mesmo, “correndo” apenas entre uma seletíssima plateia.
Nada que despertasse o interesse dos cidadãos que precisam acordar cedo para “ganharem” o sustento das suas famílias.
Era assim. Não é mais.
Depois do suposto episódio de cunho sexual homoerótico que teria tido como ator principal um parlamentar da Casa de Manoel Beckman foi a vez da atenção da patuleia ser tomada pela eleição na Casa de Antônio Lobo.
Tal celeuma, desta vez, deu-se porque ninguém menos que o governador do Estado, senhor Flávio Dino, “botou na cabeça” que era o nome ideal para sentar-se na cadeira que fora do seu pai, Sálvio Dino, ocupante da cadeira 32 na AML, falecido no ano de 2020, vítima da pandemia do novo coronavírus (COVID-19).
A polêmica teve lugar porque sendo o Maranhão uma pequena aldeia e São Luís o seu núcleo, não há quem não saiba da vida de todo mundo.
Por estas paragens, ninguém duvida da inteligência de sua excelência, tido por muitos, como muito inteligente, um dos melhores de sua geração.
Menino precoce que concluiu os estudos fundamental e médio no Colégio dos Irmãos Maristas, na Rua Grande, “de primeira” ingressou no concorrido curso de direito da Universidade Federal do Maranhão e, em seguida, foi aprovado, quase que simultaneamente, em dois concursos públicos especialíssimos: de professor da própria universidade federal em que estudara e de juiz federal da Primeira Região – este último, em primeiro lugar, como fazem sempre questão de enfatizar –, não passaria despercebido do escrutínio público.
Como professor universitário sempre teve suas aulas concorridas, como jurista, notadamente no Tribunal Regional Eleitoral – TRE/MA, onde os debates fervilhavam naquelas tardes às vésperas e logo depois das eleições, travava debates jurídicos substanciosos, ainda mais quando encontrava um bom procurador regional eleitoral – e tivemos muitos, e com eles aprendemos.
Assim, tal qual uma celebridade (ou sub), tendo a vida acompanhada – por seus méritos, diga-se –, causou “estranheza” e polêmica a postulação e escolha de sua excelência para a casa literária.
Muito embora o novo imortal tenha apresentado um acervo de livros e artigos escritos ao longo dos anos, não se tem conhecimento que nenhum deles tenha qualquer apelo literário.
São escritos técnicos, geralmente voltados para a área do direito, e alguns para a política.
Permanecem ocultos dos muitos fãs, que acompanham a vida do novo imortal, qualquer soneto, qualquer romance, qualquer crônica com apelo literário ou mesmo uma resenha escrita ou publicada dos clássicos que declarou ter lido por imposição do pai-acadêmico.
Faz sentido a inquietação dos críticos, pois sendo uma “academia de letras”, que teve na sua origem a inspiração de Gonçalves Dias, nosso poeta maior, e possuiu no seu quadro de fundadores intelectuais como Antônio Lobo, Alfredo de Assis Castro, Astolfo Marques, Barbosa de Godois, Corrêa de Araújo, Clodoaldo de Freitas, Domingos Quadro, Fran Paxeco, Godofredo Mendes Viana, Xavier de Carvalho, Ribeiro do Amaral e Vieira da Silva e depois tantos outros reconhecidos por inúmeras obras literárias, o ingresso de alguém que a despeito da reconhecida inteligência, não possua – publicamente –, uma única obra com estofo literário.
Resta aos críticos imaginarem que os romances, sonetos, crônicas literárias ou versos tortos, ao estilo “batatinha quando cresce ‘esparrama’ pelo chão” … ainda venham.
Estes críticos guardam o mesmo otimismo que tiveram os integrantes da academia do Nobel quando concederam o prêmio Nobel da Paz ao recém-eleito presidente americano Barack Obama. Na época os críticos disseram que o prêmio seria pelo que ele supostamente faria como presidente.
A vida, às vezes, nos coloca diante de sutis ironias. Querem uma? Na mesma semana, praticamente no mesmo dia, em que fez-se morto o jornalista e escritor Jonaval Medeiros Cunha Santos, o J.M. Cunha Santos, autos de “Meu Calendário em Pedaços” – seu primeiro livro; “O Esparadrapo de Março”, “A Madrugada dos Alcoólatras”, “Paquito, o Anjo Doido” e “Odisséia dos Pivetes”, Cunha Santos estava escrevendo mais um livro: “Terceiro Testamento” e de infinitos e memoráveis artigos literários, que nunca foi lembrado para qualquer cadeira na Casa de Antônio Lobo, Flávio Dino, com “escasso” acervo literário, tornou-se imortal.
O engraçado, após a imortalidade de sua excelência, foi a “chuva” de comentários que recebi.
Um amigo me ligou para dizer que o novo imortal era como os faróis da educação, que em boa hora um antigo governo semeou pelo estado, indaguei o motivo é ele sem conter o riso completou: — ora, Abdon, é alto, “redondo” e possui uma biblioteca bem “pequenina”. O “bem pequenina” foi para reforçar.
Um outro amigo escreveu, com fina ironia, na sua rede social que o próximo passo seria o senhor Bolsonaro candidatar-se a uma vaga na Academia Brasileira de Letras – ABL.
E choveram comentários, críticas, insinuações, quase nenhuma elogiosa.
Um amigo em flagrante pilhéria (mas com incomum generosidade) disse: — Ah, Abdon, o próximo imortal da AML será você, tenho certeza que os seus textos têm mais apelos literários do que os textos do novo imortal.
Já espantando qualquer sugestão neste sentido, deixo claro não sou candidato a nada. Talvez, a tomar um tigela de juçara com camarão seco, se receber um convite. Rsrsrs.
Voltando ao assunto sério, serviu para açular a polêmica e fomentar a “contestação” a imortalidade de sua excelência na AML, o “apadrinhamento” que ele buscou junto ao imortal – em todos os sentidos e digo isso apenas para não perder a piada –, José Sarney, o Dom José.
Tal qual na película de Coppola, o que mais teve foi quem se perguntasse, o que estaria por trás daquele “beija-mão”.
Até o Jornal Folha de São Paulo fez matéria sobre o “acordo” Dino-Sarney.
Por óbvio que D. José, no episódio do “beija-mão” não deve ter pedido nada ao governador, não é do seu feitio tratar de assuntos materiais de chofre, mas, certamente, como se deu com D. Corleone, anotou o favor prestado na conta dos “haveres”, que um dia, certamente, chegará. Talvez um apoio para alguém “seu” chegar a um dos tribunais ou virá presidente, talvez um acordo político que aumente o quinhão dos “seus” na partilha do poder a partir do ano que vem, tanto na esfera local quanto nacional, quem sabe uma ajuda do novo imortal na “escrituração” de uma nova biografia.
Seja o que for, um dia a conta chegará. E será paga por todos os maranhenses.
★
*Abdon Marinho é advogado.