Se você costuma freqüentar restaurantes chiques de grandes cidades brasileiras, já deve ter notado: não há sobre as toalhas das mesas cotovelos negros. A clientela negra é escassa, muito escassa, quase inexistente.
Estendendo-se a pesquisa visual às batidas policiais, a coisa muda de figura. Nesse tipo de diligência, aí sim, os negros são encontradiços.
Na hora de exigir a exibição de documentos, os policiais, mesmo os de cor achocolatada, costumam dar preferência aos patrícios de tez escura. Por vezes, humilham-nos.
Não é à toa que vigora no Brasil, país da mestiçagem, uma certa bagunça étnica. Há pretos que se consideram mulatos. Há mulatos que se proclamam brancos. E há brancos que juram não carregar nas veias nenhuma gota de sangue africano.
Pois bem. A situação parece estar mudando. Quem informa é o Ipea. O instituto de pesquisa que pende do organograma da presidência da República divulgou, na semana passada, um estudo alvissareiro.
O estudo do Ipea escora-se em dados extraídos da Pnad, a pesquisa nacional de domicílios. É feita pelo IBGE. O instituto subdivide os brasileiros em cinco matizes: “pretos”, “pardos”, “brancos”, “amarelos” e “indígenas”.
Eis a grande notícia: cresce o número de entrevistados do IBGE que enxergam o “preto” e o “pardo” ao olhar no espelho. “As pessoas, hoje, estão se reconhecendo mais como negros”, festeja Mário Theodoro, diretor de Cooperação e Desenvolvimento do Ipea.
Mantido o ritmo atual, o Ipea estima que a equiparação da renda de negros e brancos não chegará tão cedo. É coisa para 2040. Repetindo: os negros só terão contracheques equiparáveis aos dos brancos daqui a 32 anos.
Diz-se que, no Brasil, vigora a “democracia racial”. Bobagem. As estatísticas provam o contrário. A brancura que viceja nos restaurantes chiques e o negrume das batidas policiais também demonstram o inverso.
O racismo brasileiro, por cordial, é uma fratura que, embora exposta, as pessoas se negam a enxergar. Nega-se o que é inegável. Ao começar a se reconhecer como negra, a sociedade dá um primeiro passo para mudar a posição do quadro.
Mas a idéia de colorir a política de cotas, além de desmerecer o mérito do estudante, impõe uma espécie de racismo às avessas. Parece mais razoável combater o privilégio no acesso às universidades fixando cotas por renda.
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