G1

Enfrentar os prejuízos do turismo desordenado está longe de ser um problema exclusivo do Parque Estadual de Ibitipoca, em Minas Gerais, destino retratado nesta edição do Desafio Natureza. Também entre parques nacionais há casos em que foi necessário limitar ou controlar de forma mais rígida o acesso dos turistas. Mas as dificuldades vão além. Por isso, o G1 analisou o cenário em quatro unidades de gestão federal (Jericoacoara, Lençóis, Tijuca e Capivara) que, em comum, sofrem com os dilemas de conciliar aumento no número de visitantes, orçamento escasso e preservação do meio ambiente.

As ameaças vão desde a presença de veículos em áreas protegidas de Jericoacoara e dos Lençóis Maranhenses até a falta de verbas para fiscalizar as cavernas cheias de pinturas rupestres na Serra da Capivara, passando por incêndios causados por turistas no Parque Nacional da Tijuca, no Rio de Janeiro.

Recursos x visitantes

Em 2018, os parques nacionais tiveram um aumento de 6,15% em visitação e chegaram a 12,4 milhões de visitas. O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, administra todas as 334 unidades de conservação federais, que incluem Áreas de Proteção Ambiental (APAs) e Estações Ecológicas. Os parques são a categoria mais visitada de unidade de conservação federal, com 71% da frequência total.

Apesar disso, o orçamento de alguns parques nacionais foi menor em 2018 do que em 2017. Enquanto certos parques tiveram incremento nos gastos, outras unidades tiveram orçamento executado reduzido em relação ao ano anterior. A situação é mais grave em unidades que verificaram aumento de visitação acima da média nacional e, ainda assim, tiveram orçamento reduzido, como é o caso do Parque Nacional de Jericoacoara.

Um levantamento feito pela WWF Brasil em parceria com a ONG Contas Abertas em 2018 mostrou que, para as ações orçamentárias que tratam de criação, implantação, monitoramento e projetos de manejo em áreas protegidas, foi destinada em 2018 uma verba de R$ 122,9 milhões, contra uma previsão de gastos de R$ 244,5 milhões na lei orçamentária de 2017.

Para Sidnei Raimundo, professor da graduação em lazer e turismo na Universidade de São Paulo (USP), o Brasil tem boas políticas públicas para a gestão de unidades de conservação, mas falta eficácia na aplicação das regras que já existem.

Luigi Cabrini, presidente do Conselho Global para o Turismo Sustentável (GSTC, na sigla em inglês), acredita que o Brasil pode melhorar a gestão de parques nacionais envolvendo mais a população local na administração.

“É essencial que as pessoas que moram dentro dos parques ou nos arredores estejam envolvidas não só trabalhando no parque no dia-a-dia, mas também planejando as estratégias de administração.” – Luigi Cabrini, presidente do Conselho Global para o Turismo Sustentável

“Os turistas não querem ir para um parque natural que parece a Disney. Eles querem autenticidade e, para isso, é preciso envolver os locais.”

Abaixo, conheça os desafios que a gestão de turismo sustentável e orçamento limitado impõem em quatro parques nacionais brasileiros:

Parque Nacional de Jericoacoara (CE)

Pedra Furada, principal atração turística de Jericoacoara — Foto: TVM/Reprodução
Parque Nacional de Jericoacoara – visitação e orçamento — Foto: Arte/G1

Um dos parques que sempre figura no ranking de mais visitados do país é o de Jericoacoara, no Ceará. Ele foi o terceiro mais frequentado do Brasil em 2018. De 2013 a 2018 o público do parque aumentou de 100 mil visitas por ano para 1,09 milhão, um crescimento de quase 1.000%. Apesar disso, o orçamento executado pelo ICMBio ficou praticamente estável: a verba gasta no parque foi de R$ 223 milhões em 2013 contra R$ 288 milhões em 2018. Em relação ao ano anterior, a verba executada em 2018 caiu 16% enquanto o volume de visitantes cresceu 36% no mesmo período.

Conhecido pelas grandes festas de Réveillon na praia e pelas lagoas de água doce, o destino corre o risco de ficar famoso por características menos promissoras. O excesso de visitantes está fazendo com que a Duna do Pôr do Sol, que fica em área protegida, diminua de tamanho. O fenômeno, segundo Jerônimo Martins, chefe do parque, ocorre devido à erosão causada pelo adensamento da zona turística. A desova das tartarugas marinhas nas praias do parque nacional também foi impactada negativamente pelo aumento no número de turistas pisando nas areias da área protegida.

Já o tráfego de veículos está prejudicando outras dunas, de acordo com o chefe do parque. “Temos 1.383 veículos cadastrados para o turismo, entre bugues, quadriciclos e jardineiras. Ainda tem os de moradores e os que não são cadastrados, ou seja, que estão em situação irregular”, explica Martins. “Isso traz um prejuízo inegável para o parque.”

Além desses veículos, há ainda o problema de outros carros, dirigidos por particulares, serem autorizados a entrar no território do parque. Hoje, visitantes com jipes ou carros com tração 4×4 circulam com seus próprios veículos na área protegida.

Para tentar controlar o turismo na cidade e aumentar a arrecadação com a atividade, a prefeitura de Jijoca de Jericoacoara passou a cobrar uma taxa de turismo sustentável de R$ 5 por dia por visitante desde setembro de 2017.

A cobrança da taxa sucede a inauguração do Aeroporto Regional de Jericoacoara, em junho de 2017. Segundo estimativas da Secretaria do Turismo do Ceará o número de turistas deve crescer até 20% nos três anos seguintes à inauguração do novo terminal.

No entanto, a receita arrecadada pela prefeitura com a cobrança da taxa não é repassada ao parque nacional. Com equipe limitada, as ações de fiscalização empreendidas pelos funcionários do ICMBio não aumentaram no mesmo ritmo do número de visitantes.

Segundo a prefeitura, a verba arrecadada com a taxa está sendo usada para obras na cidade, como a ampliação da rede elétrica, limpeza pública, revitalização e instalação de banheiros públicos e reestruturação da usina de reciclagem local.

Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses (MA)

Belezas naturais dos Lençóis Maranhenses podem se tornar Patrimônio Natural pela Unesco em 2020. — Foto: Reprodução/TV Mirante
Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses – visitação e orçamento — Foto: Arte/G1

No Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses o maior impacto causado pelo turismo também é resultado do uso de veículos 4×4. O acesso principal ao parque é feito pelo município de Barreirinhas, distante 250 quilômetros de São Luís, capital do estado. Nos mais de 155 mil hectares protegidos ocorrem três biomas diferentes: Cerrado, Caatinga e Amazônia.

“Pelas condições da região apenas carros com tração 4×4 conseguem circular pelo parque”, explica Danúbia Melo, servidora do parque. “O problema é que existem muitas estradas dentro da área protegida e, com os alagamentos periódicos, novos desvios são feitos a cada dia.”

Um levantamento feito por funcionários do parque aponta que 1 mil hectares da reserva são, hoje, estradas. Essas rotas substituem a vegetação nativa constituindo um tipo de desmatamento. Nas dunas onde não há cobertura vegetal a circulação de veículos é uma ameaça para os ninhos de aves e tartarugas. Além disso, como os veículos circulam também por áreas alagadas, a água das lagoas fica contaminada com o óleo dos motores.

Em 2017 o parque restringiu a entrada de veículos para diminuir o impacto negativo no ecossistema. Carros particulares e excursões em 4×4 pequenos foram proibidos na chamada zona primitiva do parque, que engloba boa parte das lagoas. Hoje, apenas podem circular carros credenciados para condução de visitantes, que transportam mais turistas por vez, e veículos de serviços essenciais à população residente do parque. Para não afetar negativamente a receita gerada pelo turismo, a equipe do parque está impulsionando atividades como o trekking e o kitesurf, que causam menos prejuízo ao meio ambiente.

O Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses também experimentou nos últimos anos um aumento no número de visitantes. Em 2018 foram 126.364 visitas, um aumento de 72% em relação ao ano anterior.

“No entanto, apenas no ano passado, com a implantação do voucher digital da prefeitura de Barreirinhas, tivemos números de visitação mais consolidados”, explica Danúbia Melo. “Antes disso o número de visitantes era uma estimativa feita a partir dos dados enviados pelas operadoras de turismo e da quantidade de veículos de turismo abordados nas ações de fiscalização.”

Parque Nacional da Tijuca (RJ)

VISTA CHINESA – Do mirante em estilo chinês localizado dentro do Parque Nacional da Floresta da Tijuca é possível apreciar as belezas da cidade por vários ângulos. De lá, é possível ver os principais cartões postais do Rio. — Foto: Ricardo Zerrener/RioTur
Parque Nacional da Tijuca – visitação e orçamento — Foto: Arte/G1

Com acesso a partir de diversos pontos da capital carioca, o Parque Nacional da Tijuca abriga trilhas para alguns dos pontos turísticos mais conhecidos do Rio de Janeiro. Pedra Bonita, Pedra da Gávea e até o Morro do Corcovado, onde fica a estátua do Cristo Redentor, são alguns dos atrativos naturais que ficam dentro da área do parque nacional mais visitado do país. No entanto, o mau comportamento de visitantes faz com que o turismo predatório seja uma ameaça ao patrimônio protegido.

“Hoje temos como impactos do descumprimento das regras a degradação da vegetação, seja pelo acendimento de fogueiras, seja pela abertura de atalhos irregulares, a perturbação da fauna, devido à poluição sonora e às disputas com animais domésticos, e também a ocupação de locais restritos fora do horário de funcionamento e a deposição de lixo”, explica Sonia Kinker, chefe do parque.


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