Para Cunha Santos: foi o corpo, mas ficaram o poeta e o jornalista
Por Luís Cardoso
Conheci Cunha Santos, que nos deixou ontem e foi enterrado hoje, pelas bandas do Tirirical (assim era chamado o hoje bairro do São Cristovão) nos idos de 70 e através do teatro. Como não poderia deixar de ser, o primeiro encontro foi testemunhado pela copo com cerveja. Os laços logo se afinaram.
O Cunha era do tipo amigo de todos, mas forte e combativo contra as injustiças sociais. Nas mesas de bares nossas conversas eram sempre animadas por poemas cantados e declamados pelo bom companheiro. Nunca deu pra distinguir a manhã da tarde, a noite das madrugadas, ou de um dia após o outro.
Era uma farra de bebidas, notícias, poemas e as estratégias para salvar os injustiçados, os menos favorecidos, os que passam fome e dos que nunca voltam pra casa por falta de lar. Cunha era muito emotivo e acabava me levando às lágrimas.
Colaboramos no Jornal Pequeno ao mesmo tempo que escrevíamos uma página cada um no final de semana. As vezes eu sumia e Cunha Santos cobria a minha ausência ou vice-versa. Pior quando sumiam os dois para desespero da saudosa Josilda Bogéa, diretora administrativa do JP, dona do maior coração que já conheci. Acabava sempre nos perdoando.
Como jornalista, Cunha Santos era bom no que fazia melhor: escrever. Foi um dos mais respeitados editorialistas do Maranhão. E um excelente repórter e analista de política que servirá de exemplo aos velhos e novatos na profissão.
Como poeta continuará sendo um homem engajado, como seus poemas de lutas e escudos contra as injustas. Abaixo um poema de nosso querido Cunha Santos:
Delirium tremens
Eu ouço passos no absurdo
pancadas secas no desconhecido
marés se movem nos meus olhos
mãos de areias na minha faringe
tentam arrancar veias que eu amo
A noite se move estranha
Neva nesta “Casa”. É a morte
rondando dentro dos copos
mexendo nas canelas de aço
que se acumulam nos meus pés
Eu sinto fome: como meus dedos
sacode-me um desejo santo
de enforcar uma criança
para evitá-Ia deste mundo
Não conheço estas ruas
nem sei mais de onde vieram
as estacas com que me batem
eu preciso desenhar a poesia
eu preciso desenhar meu grito
pois hoje, nem as palavras da lua
far-me-ão descansar a caneta
do martírio de dizer besteiras
hoje eu sou uma choça de remorsos
diferente: sim, porque não matei
nem sequer premeditei a morte
mas sou o local do crime!
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