O Brasil, as reformas e as corporações

    Abdon Marinho é advogado.

    HÁ MUITO TEMPO – mais de vinte anos – alerto para a necessidade do Brasil promover uma reforma do Estado. No meu sentir essa é a reforma que deve preceder todas as outras.

    A primeira vez que tratei do tema foi por ocasião da elaboração da minha monografia de conclusão do curso de direito na Universidade Federal do Maranhão. Na oportunidade alertava para essa necessidade, bem como, para a gravidade das casas do parlamento, em última análise, responsável pela implementação de tais reformas, estarem representadas por interesses corporativos, em detrimento dos interesses do país.

    Passados vinte anos o Brasil se encontra atravancado pela falta da reformulação do Estado e todas demais reformas dela decorrentes e o fato das corporações dominarem – pensando unicamente no interesse dos seus representados em detrimento do país – a cena política.

    Um exemplo deste atravancamento que compromete o futuro do país é a resistência a chamada reforma da previdência.

    Não discuto aqui se a proposta do governo está certa ou errada, não é isso que vem ao caso.

    O que discuto é que país precisa de uma reforma previdenciária e que ela é urgente.

    Qualquer um sabe da sua necessidade e qualquer um que venha dirigir o país terá que batalhar por ela.

    A questão é de fácil compreensão. A população está – felizmente –, vivendo mais, e, com isso, aumentando o número de destinatários dos recursos da previdência. Na outra ponta temos assistido a diminuição da taxa de natalidade. Ou seja, a população economicamente ativa que, com o fruto de seu trabalho, garante a aposentadoria daqueles que já se aposentaram está diminuindo. Isso é perceptível.

    Ora, em algum momento a conta deixará de fechar. Aliás já deixou de fechar, segundo dizem, há muito tempo. Anualmente temos informações do déficit previdenciário sempre crescente, a reclamar recursos de outros setores para atender a necessidade de pagamento de aposentadorias e pensões.

    A previdência brasileira consome mais de um quarto do PIB do país, outro quarto é consumido por todos os demais órgãos públicos, pagamento de servidores, saúde, educação, assistência social, infraestrutura, etc., e a outra metade é consumida pela dívida pública.

    Há os que sustentam, como solução para o déficit previdenciário, uma negociação para dívida pública que aumentou substancialmente com a política de juros altos dos últimos anos. Não duvido que seria um alento e até seria bom sabermos que tem de “gordura” nesta monumental dívida.

    Acontece que o problema, ainda, não é esse. As pessoas continuarão vivendo mais (graças a Deus) e a força motriz que os susterão na velhice diminuindo. Ou seja, em algum momento haverá necessidade de se repactuar a previdência social. Melhor que seja antes.

    Não me parece razoável que a previdência consuma mais que todo o resto dos investimentos públicos, só perdendo para a monstruosa dívida pública

    Pois bem, todo mundo mundo sabe disso mas ninguém quer ceder nada.

    E aqui entra o papel das corporações.

    O que temos visto nestas discussões sobre a previdência? Que todos, sobretudo os mais aquinhoados e fortalecidos nas suas corporações, se acham “especiais”.

    São especiais os professores, os magistrados, os policiais, os servidores públicos, os políticos, em suma todos a exceção da patuleia ignara.

    Na minha opinião, todos trabalhadores que sustentam este país são especiais. Acontece que alguém precisa deixar de olhar só para os seus interesses, do seu grupo e pensar no futuro do país.

    Pelo que vi, por conta de tantas especialidades a reforma da previdência caiu no buraco, se muito, aprovam a elevação da idade mínima.

    Manter as coisas como estão só interessa aos que sempre usufruíram vantagens e mais vantagens do Estado às custas dos trabalhadores que não possuem quaisquer direitos.

    O adiamento da reforma da previdência – e digo adiamento porque o modelo atual é insustentável, como já dizemos antes – é um equívoco que só trará prejuízos as futuras gerações.

    A reformulação do modelo é necessário para combater fraudes, privilégios, abusos.

    Não vejo sentido que os trabalhadores da iniciativa privada – cuja maioria, ganha menos que os servidores públicos –, estejam submetidos ao regime geral e a um teto, enquanto que os

    servidores do setor público que, geralmente ganham bem mais, principalmente os que são de carreiras de Estado, levem para todo o sempre, os salários e vantagens da ativa.

    Ora, se ganham mais, podem perfeitamente pagar previdência privada ou complementar, fazer o “pé de meia” para a velhice.

    As corporações não conseguem ou não querem enxergar isso.

    Acho que pensam que os governos produzem dinheiro para sustentar tudo que imaginarem. Ledo engano, governos, só administram – e mal –, o dinheiro que tiram dos contribuintes.

    Como não produzem riqueza alguma, ou adotam medidas para tornar os modelos de gestão sustentáveis ou aumentam a carga tributária.

    Aliás, os defensores de interesses corporativos sempre vem com essa mesma conversa de aumentar a carga tributária. Ainda que se aumente no limite do não mais poder tal carga tributária, o modelo, mais cedo ou mais tarde fracassará.

    Isso, sem contar com os efeitos nefastos de uma carga tributária elevada que impede o crescimento econômico do país.

    Não duvido que precisamos de uma reforma tributária, mas esta deve vir para tornar mais racional e razoável os impostos que pagamos. O cidadão de bem já passa cinco meses do ano trabalhando só para pagar impostos. Elevar ainda mais a carga tributária, produzir deixará de ser interessante. Quem vai trabalhar seis, oito meses, só para pagar impostos?

    O resto é demagogia barata, falta de bom senso e a fé cega de que as coisas se resolverão por elas mesmo, sem que ninguém tenha que fazer nada ou se sacrificar de alguma forma.

    O pensamento distorcido das corporações é espelhado no modelo de Estado que temos. E, aí, voltamos ao começo do debate.

    O Estado brasileiro é mastodôntico, uma máquina imensa e corrupta a distribuir privilégios a uma elite dominante.

    A classe política brasileira não consegue fazer as reformas necessárias porque ela mesma não tem coragem de cortar seus privilégios, suas regalias, suas aposentadorias especiais, seus salários absurdos, suas vantagens indecorosas.

    Na verdade as corporações se valem disso para usar e serem usadas pela elite dominante do país.

    As corporações sempre serviram e servirão de anteparo entre a massa pagadora de tributos que sustenta os seus e os privilégios da elite dirigente.

    O Brasil precisa de uma reforma de Estado que acabe com todos os privilégios, que coloque os cidadãos em pé de igualdade nos favores que recebem do mesmo. Chega de uns ou outros se acharem merecedores disso ou daquilo como que por herança divina.

    Qual a razão de um parlamentar exercer um mandato ou menos e levar regalias pelo resto da vida? Que direito adquirido é esse? Por que precisam de tantos privilégios para exercer um mandato?

    O mesmo se diga das demais funções de Estado.

    Não tem sentido termos uma Constituição que traz a assertiva de que “todos são iguais perante a lei”, se o que mais vemos são privilégios para uns e outros.

    A igualdade de que trata a Constituição é uma ilusão. Na verdade todos se acham melhores e “mais iguais” que os demais, e sugam o país a não mais poderem, na defesa de seus privilégios e vantagens indevidas.

    O Brasil está muito longe ser uma verdadeira democracia e não acredito que a alcancemos. Ainda mais quando se caminha em sentido inverso.

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    A fazenda do Lula ou, Lula apresenta sua Ópera do Malandro

    OUTRO dia li no blog do amigo e jornalista Robert Lobato a narrativa de um episódio ocorrido no início da década de noventa.

    O texto, bem escrito e sereno, começa de forma literária:

    ‘Era inverno chuvoso de 1990.

    Na Universidade Estadual do Maranhão (Uema), conversávamos eu, Márcio Buzar, Neil Armstrong, Agostinho Neto e outros companheiros.

    Divagávamos sobre a então recente eleição presidencial de 1989.

    Em certo momento, Buzar, hoje professor na UNB, disse algo mais ou menos assim: “Perdemos a eleição, mas não perdemos a luta. De certa forma foi até bom Lula ter perdido, pois minha maior decepção seria ele ganhar e depois aparecer a notícia de que ele é dono de fazenda”. Nunca esqueci dessas palavras!”

    Já conhecia o episódio, que me foi narrado pelo próprio jornalista numa das vezes que esteve em minha casa. Robert Lobato, seus amigos, eu e tantos outros, mal saídos da adolescência e travando os primeiros contatos com a democracia, após os vinte e um anos do regime militar, tentávamos, cada um nos seus segmentos – nos grêmios estudantis, nos DCE’s, nas associações de moradores –, contribuir de alguma forma como uma nova história para o Brasil.

    Embora só viesse conhecer o Robert anos depois, essas histórias, estes sonhos, essa consciência coletiva de buscar dias melhores para o país era um elo comum naqueles dias invernosos e ensolarados. Contribuíamos com o que podíamos, mesmo com os poucos recursos da vida de estudante moradores da periferia e bairros populares.

    Outra coisa a nos unir era o  Lula, apesar das críticas pontuais. Ele era ideal a ser atingido. Um operário, nordestino, do povo, chegar ao cargo mais alto da nação. Este foi o sonho que nos embalou naquele lula lá, brilha uma estrela…

    Assim, votamos, pedimos votos, defendemos o nome de Lula em todos os fóruns. E, como o sonho sempre foi mais importante que o próprio objetivo, encontrávamos mérito até na derrota.

    O medo da decepção de Buzar – naquele inverno chuvoso de 1990, na poética narrativa de Robert –, só de imaginar a possibilidade de Lula virar fazendeiro, é a expressão maior do próprio sonho. O medo de acordar para realidade. Quantas vezes não sonhamos um sonho tão bom que torcemos para não acordar?

    Além de votar em Lula naquele 1989, continuei votando (eu e tantos outros) até alcançar o tão sonhado objetivo em 2002.

    E foi aí que percebi que o sonho era bem diferente da realidade. A posse do operário-presidente já  fora regada pelos mais caros vinhos do mundo. Segundo noticiou-se na época, presente do marqueteiro que ganhara uma fortuna cuidando da campanha. Os novos ternos, feitos sob medida, também, já davam uma ideia do pendão do “nosso” Lula pelos mimos que o capital – causa maior de todos os males –, podia oferecer. Antes só tínhamos a preocupação de defendê-lo do fato de morar “de favor” na casa do compadre Roberto Teixeira.

    O governo que se desenhou já refletia o desastre que viria. Petistas deslumbrados num consórcio espúrio com o que havia de pior na política nacional.

    Enquanto isso pessoas corretas, sérias, eram tratadas como inimigas do Estado.

    Os primeiros e tristes episódios  do governo que se iniciava refletem isso: o memorável chá de cadeira que Dirceu deu em Gabeira e outros líderes políticos e a exigência  do próprio Dirceu de ser tratado como “primeiro-ministro”.

    Aí veio o mensalão, o petrolão, a generosidade desmedida com os recursos do BNDES, o alcance dos fundos de pensão dos trabalhadores, o socorro as ditaduras amigas e tantos outros desatinos.

    Mais que uma briga pela perpetuação no poder – como pensou-se no mensalão –, veio a certeza que havia uma quadrilha instalada no coração da nação, também com propósito do enriquecimento fácil e que iam muito além de uma fazenda.

    O derradeiro vexame a que a sociedade brasileira experimenta é ver um ex-presidente da República comparecer diante de um juiz na condição de réu.

    Aí volto ao dileto amigo Robert Lobato, que analisa o fato como uma vitória do ex-presidente.

    Sou dos que discordam frontalmente. Como vencedor, amigo Bob? A nossa principal preocupação naquele não muito longe 1989 era o Lula aparecer como dono de uma fazenda e agora está ele no banco dos réus como chefe de uma organização criminosa.

    O que está se discutindo – é bom que se deixe claro –, é o fato daquele cidadão, que sonhávamos como modelo para o Brasil, emergir de inúmeras investigações policiais como chefe de quadrilha especializada no roubo da coisa pública.

    E não são poucos os indícios e depoimentos neste sentido. Os membros da família e executivos da  Odebrecht dizem isso. Emilio e Marcelo narram o episódio com riquezas de detalhes; o amigo Léo Pinheiro da OAS, confirma estes fatos; os diretores da Petrobras corroboram, basta ver os depoimentos de Nestor Ceveró e agora de Renato Duque; o ex-senador Delcididio do Amaral confirma e por último, o casal de marqueteiros a serviço do partido, de Lula e de Dilma traz das sombras tudo aquilo que, nem nos nossos piores pesadelos imaginávamos.

    Mais grave uma quadrilha que tomou de assalto o Estado brasileiro, a partir de sua capacidade de mobilização e disponibilidade de recursos, influenciou os destinos de outros povos, intrometeu-se em eleições de outras nações.

    O simples fato de um ex-presidente sentar-se no banco dos réus já é motivo para vexame; quando este ex-presidente é o primeiro operário a chegar ao poder e em quem o povo brasileiro depositou tanta esperança e emocionou-se com sua posse é algo devastador; e quando este mesmo ex-presidente, operário, cidadão do povo, senta-se no banco dos réus na condição de corrupto é algo a envergonhar a todos nós. Não apenas os que sonharam em vê-lo presidente, mas a todos os cidadãos de bem.

    E quando você pensa que nada de pior pode acontecer, você se depara com este ex-presidente mentindo descaradamente, sonegando a verdade, dizendo não saber o que todos, mesmo os mais ingênuos, sabem que ele sabia e sabe; negando o inegável, como o foi ao dizer que influência alguma tinha no seu próprio partido.

    E quando pensamos que não podia ir além na falta de caráter, aquele que foi depositário de tantos sonhos e esperanças, faz “delação premiada” contra a própria esposa. Pior, contra uma esposa falecida, que não tem, sequer, a chance de defender-se.

    Já havia  prometido não me surpreender com quaisquer revelação que ainda viesse surgir. Mas confesso que causou-me espécie a forma desrespeitosa com a qual o ex-presidente “empurrou” a responsabilidade para a mulher falecida.

    Então a mulher era investidora em imóveis? Mas, com qual renda, se a vida inteira foi “do lar”? Então a mulher pedia favores a empresários à revelia do ex-presidente que nem tomava conhecimento? Quanto ofensa.

    Mas, na opinião do senhor Lula “(…) mulheres são assim, não contam tudo ao marido.”

    No seu primeiro interrogatório como réu, o ex-presidente exerceu aquilo que sabe fazer como ninguém: a arte da malandragem. Não se importando de, para isso, colocar a responsabilidade na mulher falecida. Desrespeitando os mortos e o senso comum de todos os brasileiros decentes.

    É verdade que à defesa tudo é permitido. É um direito do réu usar todos os recursos na sua defesa, mas se esperava um mínimo de decência, ética e responsabilidade de quem ocupou o cargo máximo da nação.

    Aos militantes reunidos em Curitiba para constranger a Justiça, uma confissão involuntária: não se disse inocente e sim que não tinham provas contra ele.

    O senhor Lula não possui qualquer preocupação que não seja safar-se e não se é ou não inocente.

    Existe mérito ou vitória nisso, amigo Bob?

    Emergem provas de que roubaram tudo. Roubaram até os nossos sonhos, nossos ideais. Diferente da nossa, as atuais gerações não têm no que acreditar. Aqueles em que confiávamos transformaram a política nacional no que há de pior em todos os cantos e em toda nossa história.

    Não, não existe mérito. Não há vitória. Somos uma nação de derrotados.

    Abdon Marinho é advogado.

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    EDITORIAL da Folha de São Paulo: Prisão nada temporária

    Posto na ordem do dia pelos procedimentos da Lava Jato, o pertinente debate acerca de eventuais abusos nas prisões temporárias não pode limitar-se aos casos dos suspeitos de grande notoriedade investigados pela operação.

    Quando contabilizados os detentos anônimos nessa situação, descortina-se um quadro espantoso no país: são 221 mil, segundo levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o que representa 34% da população carcerária brasileira.

    Esse vasto contingente inclui tanto presos que ainda não foram julgados quanto condenados em primeira instância que aguardam análise de recursos. A ineficiência da Justiça em dar celeridade aos processos acaba por estender a permanência de muitos na cadeia.

    Em Pernambuco, exemplo mais flagrante dessa lentidão, um preso espera, em média, mais de dois anos pelo primeiro julgamento.

    No atual entendimento do Supremo Tribunal Federal, a execução da pena deve começar após a condenação em segunda instância. Antes disso, pelo Código do Processo Penal, a prisão pode ocorrer apenas em circunstâncias específicas —quando, por exemplo, há riscos à ordem pública, de destruição de provas ou de fuga dos suspeitos.

    É compreensível, num país com altíssima taxa de criminalidade, que se clame por punições severas. Nada indica, contudo, que manter tantas pessoas em penitenciárias já abarrotadas seja política eficaz.

    Cada preso custa aos cofres públicos, em média, R$ 2.400 mensais. Numa comparação muito frequente, é bem mais do que se desembolsa com os estudantes da rede pública. Apenas os presos provisórios demandam R$ 6,4 bilhões anuais dos orçamentos.

    Tal soma poderia ser justificada se houvesse ganhos perceptíveis nas políticas de segurança. Mas, pelo contrário, o fracasso do poder público nacional no setor carcerário é evidente. Notam-se, cada vez mais, os casos de presídios dominados por facções criminosas.

    Indivíduos amontoados em celas superlotadas tornam-se alvo fácil de hordas como o PCC e incrementam a violência, atrás e além das grades.

    Parece mais sensato, portanto, priorizar o encarceramento de criminosos que de fato representem ameaça a terceiros. Para outros casos, os tribunais já dispõem de penas alternativas eficientes, como multas e o uso de tornozeleiras eletrônicas.

    É fundamental, decerto, acelerar o julgamento dos casos pendentes. Não será o bastante, porém. As centenas de milhares de mandados de prisão ainda não cumpridos evidenciam que é necessária uma ampla revisão das práticas do Judiciário.

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