Alessandra Duarte

Carolina Benevides

TCM apura custo, frequeência dos ônibus e fiscalização do sistema no Rio  Marcelo Carnaval / Marcelo Carnaval
RIO – O transporte urbano em metade das capitais do país não é licitado.  Levantamento feito pelo GLOBO em órgãos de Transportes nas 26 capitais e no  Distrito Federal aponta que o setor que foi o pivô das manifestações de junho —  iniciadas justamente pelo aumento da passagem de ônibus — continua, em metade  das principais cidades, sendo operado por empresas que ganharam permissões e  autorizações décadas atrás, mas que nunca passaram por uma licitação para  regular o sistema.Mesmo em muitas capitais que fizeram licitação — que permite que o poder  público regule melhor o serviço e garanta seleção dos melhores preços —, o  processo é recente. No Rio, a primeira licitação foi feita em 2010.

Além da falta de licitação, o transporte urbano no país enfrenta, ainda, o  fato de que muitas empresas continuam a contratar com o poder público apesar de  terem dívidas milionárias. Dever quase R$ 3 bilhões não impede que empresas  continuem a vencer licitações no Rio, em São Paulo e em Belo Horizonte: O GLOBO  levantou, na lista de inscritos na dívida ativa da União, utilizando CNPJs de  empresas e CPFs de empresários de transporte urbano, que 49 empresas e 17  empresários do ramo devem R$ 2,8 bilhões. A título de comparação, isso equivale  a 342 vezes o valor pago para investimento, no primeiro semestre deste ano,  dentro do orçamento de 2013 do Ministério dos Transportes.

SP: lucro de r$ 400 milhões por ano

As regiões Sul e Nordeste têm, cada uma, apenas uma capital com esse serviço  licitado: Curitiba e João Pessoa. No Centro-Oeste, todas as capitais têm  licitação. E, no Norte, há três com licitação.

No Sudeste, todas as capitais têm licitação, exceto Vitória. No município do  Rio, com quatro consórcios, a licitação chegou a ser alvo do Tribunal de Contas  do Município (TCM), que abriu investigação sobre suposta formação de cartel. À  época, foi divulgado que Jacob Barata Filho aparecia como sócio de sete  empresas, e que, ao todo, 12 empresários tinham participação em mais de uma  empresa. Mas o TCM arquivou o processo e, agora, uma CPI foi aberta na Câmara  Municipal.

— Não há concentração. A pessoa física com maior participação possui 5,18%.  Se o critério for por grupos familiares, tem 11% — diz Lélis Teixeira, que  preside o Rio Ônibus, Sindicato das Empresas de Ônibus da cidade do Rio.

— Vimos que não há cartel, mas agora o TCM vai apurar questões nebulosas como  custo, frequência dos ônibus, fiscalização. E dois auditores vão acompanhar a  CPI — conta Thiers Vianna Montebello, presidente do TCM do Rio.

Em São Paulo, a licitação realizada em 2003, que venceria este ano, foi  prorrogada por até um ano; a prefeitura cancelou a nova licitação que ocorreria  em 2013, para estudar novo modelo do sistema, que deve ficar pronto até ano que  vem. Deve ser lançado só após ser concluída a CPI que ocorre hoje na Câmara  municipal.

— A ideia é esperar sua conclusão justamente para haver discussão. A  qualidade do serviço não é boa, é preciso debate — diz o secretário municipal de  Transportes de São Paulo e presidente da SPTrans, Jilmar Tatto (PT-SP), deputado  licenciado.

Uma das opções estudadas é fazer com que a prefeitura passe a adquirir a  frota; as empresas só executariam o serviço. Outra opção é o município passar a  operar quantidade e distribuição de linhas e horários, e as empresas  continuariam a cuidar só de mão de obra e manutenção.

A única das 8 áreas da cidade que não deve entrar na nova licitação (pelo  contrato ter sido feito em 2007, valendo até 2017) é a 4 — justamente, segundo o  próprio secretário, a que “pior opera”, “com maior número de reclamações”. Uma  das empresas da 4, a Ambiental, é do Grupo Ruas, que possui outras, como a Campo  Belo, na 7, e a Cidade Dutra, na 6.

— São CNPJs diferentes, mas de um mesmo grupo. Pode ser considerado  concentração — diz o secretário Tatto.

Segundo a SPTrans, a margem de lucro dos operadores do sistema é de 6,78 %  sobre a arrecadação — o que equivale a cerca de R$ 400 milhões por ano.

No DF, só em 2009 o Ministério Público determinou que os ônibus fossem  licitados. Mais de mil linhas estavam nas ruas.

— O setor implantava as linhas que interessavam, autuações não tinham efeito,  havia conivência de agentes públicos e operadores — diz o secretário de  Transportes, José Walter Vazquez Filho. — Até dezembro, será 100% da frota  contratada.

Mas a licitação no DF fez com que o MP apurasse a vitória das viações  Piracicabana e Pioneira, da família Constatino.

— Serem irmãos não caracteriza grupo econômico — diz o secretário.

Por e-mail, Maurício Moreira, da Pioneira, diz que “as empresas não têm  sócios em comum e nem dirigentes comuns”. Representante da Comporte  Participações, que engloba a Piracicabana, diz que “os irmãos sócios da  Piracicabana não são sócios das irmãs sócias da Pioneira”. A Piracicabana nega  ter sido beneficiada por ter contratado o escritório Guilherme Gonçalves &  Sacha Reck Advogados Associados; Sacha é filho de Garrone Reck, diretor da  empresa contratada pelo DF para fazer o edital de licitação: “O edital é  público”.

Entre as capitais sem licitação, Salvador deve lançar um edital em setembro.  Hoje, as empresas operam por permissão precária. A última licitação do serviço  lá foi há 40 anos — é de 1973. Em 2006, o MP passou a exigir nova licitação.

— Com permissão, a empresa diz quantos passageiros transporta. Com licitação,  a prefeitura tem condições de auditar os ônibus e exigir o que contrato  estabelece — diz o presidente do TCM-RJ.

‘Regularidade fiscal é indispensável’

Na lista de devedores de R$ 2,8 bilhões levantada pelo GLOBO, e na qual  incluem-se dívidas previdenciárias e tributárias, estão empresas e empresários  da cidade do Rio e parte da Região Metropolitana; da cidade de São Paulo e do  ABC — única das 5 áreas da Região Metropolitana da capital não licitada,  operando por permissão —; de BH; e do DF. O total de R$ 2,8 bilhões corresponde  a 32 vezes o valor pago até agora ao programa “Mobilidade urbana e trânsito” do  Ministério das Cidades.

Pela lei de licitações, as empresas precisam ter regularidade fiscal para  participarem do processo. Segundo Luiz Roberto Beggiora, procurador da Fazenda  Nacional e coordenador-geral da Dívida Ativa da União, a inscrição em dívida  ativa leva, 75 dias depois que o débito é comunicado, à inscrição também no  Cadastro Informativo de Créditos Não Quitados do governo federal — o que  acarreta “impossibilidade” de participar de licitações, além de fazer com que o  inscrito torne-se réu em ação de execução fiscal.

— A regularidade fiscal e trabalhista é indispensável para participação em  licitação. O que muitas empresas fazem é recorrer à Justiça e, como o resultado  da ação judicial ainda não saiu, ou se conseguem uma liminar, participam. Ou  então, o sócio de alguma empresa cria outra, com outro CNPJ, sem dívidas, e  então participa dessa forma — analisa Carlos Ari Sundfeld, professor da FGV-SP e  especialista em Direito Administrativo.

No Rio, a Rio Ita, por exemplo, que opera em São Gonçalo, deve à União R$  19,9 milhões. Está entre as três empresas mais reclamadas este ano na ouvidoria  do governo estadual, junto com a Auto Ônibus Fagundes e a Viação União. As  linhas do Estado do Rio, incluindo a Região Metropolitana, têm permissão até  2015; uma decisão da 5ª Vara de Fazenda Pública determinou que o Estado do Rio  licite o serviço.

— Não é fácil fazer licitação que envolve milhares de linhas e muitas  empresas. Mas não é impossível — diz Julio Lopes, secretário de Transporte do  Estado do Rio.

— Desconheço que haja empresas em dívida ativa — diz Lélis Teixeira, do Rio  Ônibus. — Quando foi feita a licitação na cidade, todas foram obrigadas a provar  regularidade. O que pode haver são cancelamentos ou parcelamentos deferidos.

Carlos Roberto Osório, secretário municipal de Transportes do Rio, diz que a  prefeitura verificou a regularidade fiscal das empresas quando a licitação foi  realizada.

Segundo o presidente da BHTrans, Ramon Victor Cesar, o endividamento das  empresas “só é problema se afetar a capacidade de operar o serviço”:

— O que não é o nosso caso em BH.

O Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte  (Setra-BH) afirma que todas as empresas de BH estão em dia com a União, pois “a  discussão do débito na Justiça não aparece no sistema” da Fazenda.

Tatto, de SP, diz que as empresas têm de apresentar as certidões  exigidas:

— Dever não é pecado no Brasil. Muitas empresas que constam como endividadas  estão renegociando a dívida.

O secretário de SP diz, porém, que pode ser “temerário” o contrato com  empresas que estejam sendo executadas judicialmente.

O Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros de São  Paulo (SPUrbanuss) afirma desconhecer que empresas estejam inscritas em dívida  ativa. Por e-mail, diz que “a discussão de eventuais débitos no âmbito do  Judiciário é direito garantido, e por si só, não significa irregularidade  fiscal, inclusive se considerada a hipótese de expedição de certidões positivas  com efeitos negativos”. Sobre a existência ou não de concentração, afirma que “a  participação de pessoa física ou jurídica nos contratos atende aos parâmetros  estabelecidos na legislação”.

Sobre a dívida de empresas do ABC, o Sindicato das Empresas de Transportes de  Passageiros do Estado de São Paulo (Setpesp) diz que as empresas, pertencentes  ao grupo Baltazar José de Souza, estão em recuperação judicial desde  2012

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