Por Osmar Gomes dos Santos*

Muito tenho refletido nesta passagem para um novo ano. Vejo nesta transição de anos um pouco da sabedoria com a qual nos brindou Fernando Pessoa no poema Travessial. Assim como naqueles breves rabiscos, a vida em algum momento nos exige que abandonemos nossa fatídica rotina e ousemos trilhar novos caminhos.

Nas entrelinhas está dito, de forma clara e objetiva, que na vida é preciso suplantar etapas, despir-se de vaidades, abrir mão de um estilo de vida muitas vezes pré-moldado pela sociedade. Obedecermos  padrões e rótulos impostos, que acabamos por aceitar e carregar sem qualquer questionamento.

Após esse momento de introspecção reflexiva, cheguei a conclusão de que realmente é necessário um reexame de consciência não apenas individual, mas coletivo. Mudar é um ato particular, mas que deve guardar estreita consonância com aquilo que se espera produzir enquanto efeito coletivo no tecido social.

Ouso propor como fruto das minhas inquietações que o mundo precisa de mais tolerância. E creio que não se pode falar de tolerância sem que falemos em respeito ao próximo, ao ser humano. Nunca é demais tratar esse tema tão presente em nosso cotidiano e que nos últimos anos vem levantando grandes discussões mundo afora.

Todos os dias – nas rodas de conversas com amigos, no transporte público, no noticiário – nos deparamos com casos de intolerância. Os tipos de intolerância são os mais diversos, contemplando aspectos sociais, religiosos, políticos e tantos outros disseminados.

Penso que essa intolerância nada mais é do que o reflexo de uma sociedade cada vez mais individualista, estruturada em guetos, cuja autoreferência apenas permite a aceitação daquilo que é tido como certo a partir de uma forma particular de ver o mundo. Tudo que é produto do mundo exterior não é conveniente e, portanto, deve ser abominado.

O perigo reside na forma como cada qual reage diante daquilo que crê inaceitável. Algumas pessoas criticam, outras comentam, algumas ignoram e se fecham em seu mundo particular. No entanto, há aquelas que buscam meios cruéis para lidar com o antagonismo, terminando por gerar episódios de violência como o ocorrido recentemente que vitimou o cabeleireiro Plínio Henrique.

A barbárie aconteceu em plena Avenida Paulista, coração financeiro do Brasil e um dos mais importantes centros financeiros da América Latina e do mundo. O caso mantém aceso o debate sobre a prática da violência gratuita contra pessoas indefesas apenas pelo fato de ter escolhido ser alguém fora do perfil convencional que grande parte da sociedade passou a adotar, como se isso fosse uma sentença de morte.

Os motivos para a morte do jovem Plínio são muitos – segundo aqueles que praticam, devidamente fundamentados –, mas me arrisco a citar alguns: futilidade, banalidade, ignorância, estupidez, arrogância, sentimento de supremacia, homofobia, machismo, intolerância! Sim, a sempre presente intolerância. Aquela vista em regimes totalitarios e fundamentalistas, especialmente no mundo árabe, e criticada por tantos é a mesma praticada aqui no Brasil.

Essa forma mais latente da intolerância, cujo resultado leva à morte, costuma camuflar comportamentos também extremistas praticadas no dia a dia nas relações mais simples. Pessoas adotam posturas de distanciamento diante do negro, do homossexual, do gordo, do magro, do religioso, do pedinte, do menino de rua, da mulher. Nas mais diversas situações, como trânsito, supermercado, padaria, porta da escola, trabalho.

Ao passo que segregam, essas pessoas também são segregadas, pois colocam a si mesmas dentro de um grupo que levanta muros sociais frente aqueles cujo perfil não lhe agrada. Dessa forma, caminhamos construindo uma sociedade de guetos e nos esquecemos que diariamente nossa vida orbita em torno do próximo e o próximo a nossa volta.

Ninguém é um ser em si mesmo, ninguém é autosuficiente. Todos nós dependemos desde a nossa concepção do próximo para ser, para existir. Fomos concebidos no ventre pela união de duas pessoas. Viemos ao mundo pelas mãos de estranhos, recebemos um nome dado por terceiros, fomos criados e doutrinados pelos pais e familiares.

Não importa o quão rico o ser humano possa ser, ele só o é porque outros possibilitam essa condição. Dependo do que outros plantam, quando doente é o outro que cuida de mim. Como posso me fechar em um calabouço cuja visão torpe de mundo não me permita olhar um palmo adiante de meus olhos?

A contradição é algo extremamente salutar e aguça o questionamento e novas descobertas. A humanidade somente avançou quando passou a questionar seus próprios limites e os dogmas estabelecidos. Tecnologias outrora inimagináveis hoje estão ao alcance das mãos porque alguém ousou quebrar paradigmas e acreditar que era possível. É esse o fruto que a contradição deve gerar para nós.

Vivemos um momento de importante reflexão quanto ao que buscamos neste mundo. Nossa passagem sobre este chão, embora não pareça, é curto e cheio de armadilhas. O 1º de janeiro é tido como o Dia da Fraternidade Universal e fraternidade nada mais é do que o convívio em harmonia entre os comuns, pessoas capazes de se ajudar mutuamente na consecução de um ideal coletivo.

É preciso cultivar a paciência e o respeito. Ser tolerante inclusive com a intolerância, aconteça onde acontecer, nas circunstâncias que ocorrer. Lembro de uma importante campanha do Ministério Público que dizia “conte até 10: a raiva passa, a vida fica”.

O momento, portanto, é mais que oportuno para exame profundo de consciência. Uma sociedade mais fraterna, justa, igualitária e tolerante é reflexo das atitudes praticadas cotidianamente pelos seus membros. As diferenças devem nos aproximar,  jamais afastar. Que em 2019 a tolerância possa ser a palavra mais praticada por todos nós.

*Juiz de Direito da Comarca da Ilha de São Luís. Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.


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