Quando a doação legal pode ser propina
No momento em que o Supremo Tribunal Federal tiver de julgar os políticos acusados de envolvimento no Petrolão, eles terão de debruçar-se sobre uma questão central nas acusações: uma doação feita dentro das normas da Justiça Eleitoral, para o caixa um de uma campanha, pode ser considerada propina?
Desde o final do ano passado, o Ministério Público Federal acusou vários políticos de receber parte dos recursos desviados da Petrobras por meio de super-faturamento.
A maior parte desse dinheiro saiu das empresas legalmente e foi para as mãos de campanhas e partidos, de acordo com as delações premiadas homologadas até agora. Os executivos Júlio Camargo e Augusto Ribeiro, da Toyo Setal, afirmaram em suas delações ter pagado R$ 154 milhões em propinas a operadores do PT e do PMDB, a maioria por meio de doações legais a campanhas.
A empreiteira Camargo Correa doou R$ 44 milhões a campanhas só nas nas eleições de 2014 – dentro da lei, de acordo com a própria empreiteira. Foi propina, afirma o MPF.
A divulgação do conteúdo da delação premiada do empreiteiro Ricardo Pessôa, da UTC, levanta mais uma vez a mesma questão. De acordo com notícia divulgada ontem pelo jornal O Estado de S.Paulo, a UTC doou R$ 3,6 milhões a tesoureiros petistas na campanha do ano passado. A revista Veja publicou hoje o nome de18 políticos que receberam, de acordo com a delação, doações eleitorais da UTC, entre eles os ministros da Casa Civil, Aloizio Mercadante, e da Comunicação Social, Edinho Silva. Em entrevista coletiva, Edinho afirmou hoje que todas as doações foram declaradas e feitas dentro das normas da Justiça Eleitoral. Em outra entrevista, Mercadante afirma também que as doações a sua campanha ao governo de São Paulo em 2010 foram legais.
Se todas as doações foram feitas dentro do caixa um – fato que ninguém nega –, qual o problema então? Simples: segundo as delações, o dinheiro era sujo, oriundo de superfaturamento, e as doações legais não passaram de uma maneira de lavá-lo. As denúncias do Ministério Público veem um elo entre o dinheiro recebido pelos políticos e a contratação das empreiteiras pela Petrobras – um clássico caso de “toma-lá-dá-cá”. Depois que o mensalão desmascarou o caixa dois do PT e que o próprio ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva veio a público afirmar que “caixa dois, todo mundo faz”, era natural que os partidos tomassem mais cuidado com a regularidade nas transações por meio das quais são feitas as doações.
Mas isso não esgota a questão da legalidade. No Petrolão, o “dá cá” foi feito dentro da lei – mas só existe o “dá cá” (a doação de campanha) porque houve um “toma lá” (os contratos fraudados). Para comprovar a ilegalidade, os procuradores tentam demonstrar em sua denúncia a conexão entre as duas coisas de modo irrefutável, para comprovar o crime de lavagem de dinheiro. Por isso, as delações premiadas são tão relevantes nesse caso. Nelas, os próprios ganhadores do “toma lá” confessam que o “dá cá” era uma contrapartida.
A defesa continuará a usar o argumento de Edinho e Mercadante. Dirá que tudo foi feito dentro da lei, sem conexão alguma com os contratos investigados e é um erro “criminalizar as doações de campanha”. Caberá aos juízes decidir se – ou em que casos – essa conversa é convincente.
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Não existe amizade de bode com onça. Qualquer doação é precedida de um acordo, para assaltar os cofres públicos, o resto é conversa fiada de político ladrão. Quem quiser ser candidato a alguma coisa tem no mínimo a obrigação de custear as despesas de campanha.
Não há como discordar da opinião do Armando Pinto, acima, sobre essa história de doação de campanha por parte de empreiteiras para políticos em campanha eleitoral. Ora, a troco de que uma empresa vai doar milhões a políticos sem querer nada em troca?
Todos sabemos que se trata de lavagem de dinheiro, especialmente do dinheiro desviado da Petrobras por superfaturamento. Afinal, as empresas não são tão imbecis assim, a ponto de doar milhões de seu próximo caixa, podendo até ficar impossibilitadas de honrar seus pagamentos com fornecedores, a troco de nada, ou só pelos belos olhos e boas (?) intenções dos políticos… Alguém acredita nisso, em sã consciência? Claro que não!
Ontem, depois de divulgada a primeira relação de políticos que receberam dinheiro da UTC, conforme revelou Ricardo Pessoa, já começou por parte do PT e aliados a saraivada de ataques para desqualificar, desmoralizar e, no mínimo, relativizar a importância da denúncia. Essa tática do PT é velha, e todos já a conhecemos. Mas creio que agora as coisas começam a mudar de figura…
JEAN PAUL DES SAINTS