TRF1 atende MPF e condena fazendeiro por manter 7 trabalhadores em condições análogas à escravidão no Maranhão
Acórdão reforma decisão que havia absolvido acusado sob alegação de não comprovação de violência ou ameaça aptos a caracterizar o delito
Atendendo a apelação do Ministério Público Federal (MPF), a 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), por unanimidade, condenou fazendeiro acusado de manter sete trabalhadores, incluindo um menor de idade, em condições análogas à escravidão no Maranhão. De acordo com a denúncia apresentada pelo MPF, depoimentos, relatórios, fotografias e outros elementos coletados na investigação evidenciaram que o acusado, Humberto Dantas dos Santos, submeteu os trabalhadores a condições degradantes de trabalho em sua propriedade, conhecida como Fazenda Garrafão, localizada no município de Bom Jardim.
Conforme relatório que fundamentou a denúncia do MPF, os trabalhadores viviam em dois barracos de palha, sem paredes, piso, portas ou janelas. Nos locais sequer havia instalações sanitárias e os trabalhadores eram obrigados a fazer suas necessidades no mato. As precárias moradias também não contavam com depósito para lixo ou mesmo local para guardar os pertences dos trabalhadores. Também não havia local adequado para o preparo dos alimentos, tampouco para as refeições. Consta ainda que os trabalhadores não tinham acesso a água potável em condições higiênicas e laboravam sem equipamentos de proteção individual.
Os trabalhadores dormiam em redes compradas por eles próprios e a água consumida era retirada de um córrego, que estava “cortado”, ou seja, represado, com água parada, usada por animais como cachorro e o gado da fazenda. Todos os empregados relataram que ficaram com diarreia depois de tomarem dessa água. Após reclamarem para o encarregado da fazenda, foi providenciada uma “pipa” com água para os trabalhadores. Porém, a fiscalização constatou que a água da pipa era barrenta, suja e armazenada dentro do barraco em embalagem reutilizada de herbicida.
Diante da situação constatada, o MPF denunciou o fazendeiro pelo crime previsto no art. 149 do Código Penal (Reduzir alguém a condição análoga à de escravo). “No presente caso, a prova dos autos evidencia que o acusado praticou o crime na medida em que submeteu os trabalhadores a condições degradantes de trabalho, como se vê dos inúmeros depoimentos, relatórios, fotos e demais elementos de prova que instruem o processo”, sustentou o procurador da República Juraci Guimarães Junior.
Condenação – A denúncia do MPF, em um primeiro momento, havia sido julgada improcedente por juiz da 2ª Vara da Seção Judiciária do Maranhão, que absolveu o fazendeiro sob o argumento de que, embora configuradas diversas infrações trabalhistas, não seria possível afirmar que o trabalho era prestado em condições degradantes. No entendimento do magistrado, a ausência de indícios do emprego de violência ou grave ameaça à vida e à integridade física dos trabalhadores impossibilitaria a caracterização do delito previsto no art. 149 do CP.
Em apelação contra a decisão de primeiro grau, o MPF sustentou que o crime previsto no art. 149 do CP é tipo penal misto alternativo, pois descreve várias condutas. Logo, basta a prática de qualquer uma delas para se caracterizar a prática do delito. Desse modo, para sua configuração, não é exigida somente a privação da liberdade de locomoção, mas qualquer ação que se apresente caracterizada como degradante, por violação à dignidade humana.
O caso foi, então, remetido ao TRF1, onde a decisão de primeiro grau foi revertida, e o réu, condenado. A relatora do processo, desembargadora Monica Sifuentes, acatou os argumentos do MPF e considerou inequívoca a prática do crime previsto no art. 149 do Código Penal. Na decisão, a magistrada salientou que “as consequências do crime extrapolam o tipo penal do art. 149 do CP quando trabalhadores relatam problemas de saúde em razão do consumo da água inadequada. Acrescente-se que a submissão a condições degradantes afasta do cidadão a crença de pertencer a uma sociedade de iguais e, portanto, ser também merecedor de direitos”. O voto foi seguido de forma unânime por todos os integrantes da 3ª Turma do Tribunal.
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