Liberdade de imprensa, crimes e hipocrisia
Por Abdon Marinho
QUANDO pensava que poderia dedicar o texto do final de semana a um assunto mais ameno eis que a “pauta” nacional nos arrebata com temas incontornáveis.
O primeiro deles – que trataremos neste texto –, a inclusão do jornalista americano Glenn Greenwald no rol dos denunciados por conta da operação de “hackeamento” dos celulares de diversas autoridades brasileiras, do presidente da República, ministros de Estado, senadores, deputados, ministros do STF, além de outras pessoas. Pois bem, feita a denúncia, foi a vez dos movimentos orquestrados, sem lê-la, mas com opiniões formadas – apesar disso –, lançar acusações contra o Ministério Público Federal e, até contra o governo brasileiro. Mesmo no estrangeiro o assunto ganhou repercussão, seja através de artigos “encomendados” por brasileiros em órgãos de imprensa internacional, como por exemplo, o suposto artigo do ex-presidente Lula no The New York Times, seja pela manifestação de políticos nas redes sociais, como por exemplo, as manifestações de Bernie Sanders e Elizabeth Warren, pré-candidatos à presidência americana no pleito de novembro.
A senadora e pré-candidata chegou a escrever: “O governo Bolsonaro está buscando retaliação estatal contra Glenn Greenwald por causa de seu trabalho como jornalista para expor abusos e corrupção públicos. O Brasil deve suspender as acusações imediatamente e interromper seus ataques contra a imprensa livre e aberta.”
Acho que a senadora deve ser a Gleisi Hoffman ou a Dilma Rousseff de lá. Nunca vi tanta tolices em tão poucas palavras.
O Brasil – que parece não conseguir descer do palanque –, vive um clima de tamanho acirramento político que mesmo as pessoas que se apresentam como “inteligentes” não conseguem fazer uma leitura ou transmitir uma informação com um mínimo de isenção. Tudo gira em torno dos interesses políticos de cada qual.
A primeira aleivosia que se diz a respeito do fato é que a liberdade de imprensa no país foi colocada em risco.
Ao meu sentir isso não corresponde à verdade. Desde que veio a público o teor dos diálogos entre autoridades, obtidos de forma absolutamente ilícita, não tomamos conhecimento de nenhuma medida por parte das vítimas para impedir a divulgação dos mesmos. Tanto assim que foi divulgado em todos os meios de comunicação que quiseram, dentre eles os maiores do país, como a Folha de São Paulo, a revista Veja, a rede Globo, etc., além do site do próprio jornalista, o The Intercept Brasil.
Ora, os hackers interceptaram conversas do presidente da República, dos presidentes da Câmara, do Senado, dos ministros do Supremo e nenhuma publicação foi censurada, nenhum jornal foi apreendido ou proibido de circular, logo, há de se perguntar que raios de riscos a liberdade de imprensa existe no Brasil?
Não vi, sequer, alegações de risco à segurança nacional, para impedir a circulação de qualquer reportagem.
A sociedade perdeu interesse pelo assunto porque percebeu que os tais diálogos – que diziam bombásticos –, não tinham nada capaz de comprometer as instituições republicanas.
Outro motivo pelo qual se perdeu o interesse na divulgação das interceptações criminosas, foi a percepção que os criminosos estavam a serviço de uma causa: soltar os criminosos que saltearam a nação brasileira.
Dito isso, não passa de balela essa tolice de que a liberdade de imprensa se encontra em risco no Brasil a partir da posse do atual governo, como se tivéssemos inaugurado uma ditadura.
Sim, é verdade que temos um presidente que dia sim, e no outro também, fala bobagens e fustiga a imprensa, mas é verdade, também, que nunca tivemos um presidente tão submetido aos humores dos demais poderes.
Noutras palavras, a presidência da República que sempre teve preponderância em relação aos demais poderes republicanos, no atual, se encontra em igualdade de condições e até “diminuída” em relação aos demais.
Ah, o jornalista americano Glenn Greenwald foi denunciado! Foi, e daí? Quem o denunciou foi Ministério Público Federal, que possui autonomia nos termos da constituição federal. Pode (e denuncia) quando entende haver motivo, qualquer um cidadão.
Atribuir uma denúncia do MPF, como fez a senadora americana a uma perseguição estatal do governo brasileiro ao jornalista é a prova definitiva de que os americanos continuam sem conhecer o Brasil e a solidez das instituições brasileiras.
Os integrantes do Partido Democratas, sobretudo, deveriam parar de falar bobagens e de fazerem proselitismos tolos.
Em qualquer lugar do mundo o “hackeamento” de dados é crime.
O jornalista não foi denunciado por escrever uma matéria que continha material hackeado – como não o seria se tivesse divulgado uma invasão e roubo de uma residência –, mas sim, porque, no entendimento do MPF, a partir de diálogos por ele mantido com criminosos, haveria indícios da participação dele nos crimes praticados.
Para o procurador autor da denúncia “o jornalista Glenn Greenwald, de forma livre, consciente e voluntaria, auxiliou, incentivou e orientou, de maneira direta, o grupo criminoso durante a prática delitiva, agindo como garantidor do grupo, obtendo vantagem financeira com a conduta aqui descrita”.
Ora, se o procurador encontrou elementos que o induziram a tirar tal conclusão, crime cometeria se não denunciasse o suposto jornalista.
Caberá ao Poder Judiciário, nos termos do ordenamento jurídico nacional, aceitar ou não a denúncia à luz das provas apresentadas. Caso aceite, ao denunciante, caberá, durante a instrução processual, comprovar o alegado.
O jornalista foi denunciado com base apenas nos elementos colhidos a partir da investigação dos criminosos, uma vez que possui uma liminar do ministro do STF, Gilmar Mendes, impedindo que fosse objeto de investigação – acho que um fato inédito e impensável no seu país de origem: alguém não poder ser investigado –, imaginem o que mais de elementos não se teria para fundamentar a denúncia.
O fato de alguma pessoa ser denunciada não significa que ela seja culpada ou que será condenada. Isso só se dará se, no curso do processo, aqueles indícios, suficientes para embasar denúncia, forem suficientes para a condenação.
Não será o senhor Glenn Greenwald que vai provar sua inocência, caberá ao MPF provar a sua culpa, isso com todas as garantias do processo judicial brasileiro.
Diferente do afirmado por muitos, a denúncia contra o jornalista americano não é absurda. Já vi pessoas sendo denunciadas e a Justiça recebendo a denúncia, por bem menos que isso. Absurdo seria a “não denúncia” diante das provas que o MPF reputa de que ele teria auxiliado o grupo criminoso acusado de cometer mais de uma centena de crimes.
Como disse, a liberdade de imprensa não pode servir de biombo para ocultar o cometimento de crimes.
Noutra quadra, parece-nos contraditório e hipócrita a tentativa de, primeiro, reputar como atentado à liberdade de imprensa, a denúncia regular formulada pelo MPF contra o jornalista; e, segundo, imputar isso ao governo federal ou ao senhor Bolsonaro, como tem feito a esquerda nacional e internacional, o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, inclusive, em jornais estrangeiros, e os senadores e pré-candidatos nas eleições Bernie Sanders e Elizabeth Warren.
A liberdade de imprensa é preceito constitucional reafirmado na Carta Magna de 1988, há mais de trinta anos, portanto, e em nenhum momento, no presente episódio, foi maculada, pelo contrário, foi exercida com o máximo de abertura.
Agora, se crimes foram cometidos, como a violação dos princípios, também, constitucionais, da intimidade e do sigilo de comunicação, esses crimes precisam ser apurados e os criminosos punidos.
Quando não se separa o que é crime do que é liberdade de imprensa, danam-se a falar bobagens ou a fazerem um proselitismo tosco e desrespeitoso.
A mesma constituição que garantiu a liberdade de imprensa e de expressão, o sigilo da fonte, o direito à intimidade, e todos os demais direitos e garantias, estabeleceu no Art. 127: que “o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.
E mais que “ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional e administrativa …”.
Diferente do que propagam o Brasil não é uma republiqueta de bananas com as instituições e poderes da nação subordinados ao presidente da República. Pelo contrário, o presidente, atualmente, é quem menos manda – e isso não é de todo o ruim.
O próprio denunciado invocou na sua defesa que mesmo a Polícia Federal, que “teoricamente” estaria subordinada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, não encontrou elementos para indiciá-lo, mas o MPF o denunciou.
Vejam como é tosca a narrativa: usam como defesa o fato da PF não o tê-lo denunciado mais acusam o MPF que possui autonomia funcional e administrativa de estar a serviço do presidente da República e “perseguir” o jornalista. Quanta contradição.
São hipócritas porque no governo do democrata Barack Obama não se viu nenhum deles defendendo, em nome da liberdade de imprensa, o analista de sistemas Edward Snowden quando este revelou ao mundo, através dos jornais The Guardian e The Washington Post, que o governo americano estaria bisbilhotando diversos cidadãos. Há anos o americano está exilado na Rússia e sem poder retornar ao seu país de origem.
Lá – como aqui –, o teor dos segredos violados foram divulgados pelos veículos de comunicação. Mas lá os que cometeram os crimes ou concorreram com eles, estão presos ou exilados. E não se viu ninguém reclamando de maculação à liberdade de imprensa.
Aqui não deve ser diferente.
Abdon Marinho é advogado.
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