Abdon Marinho é advogado

UM dos bordões mais festejados nos tempos do governo Lula e que, praticamente, se fazia presente em todos os discursos do ex-presidente, dizia: “nunca antes na história deste país …”. Seguido desta ou daquele fato que, muitas vezes, nem tinha o seu governo, ou sua iniciativa como precursora.

Hoje, numa daquelas ironias que só a história pode proporcionar, o ex-presidente tornou-se sujeito é objeto do seu próprio bordão: nunca antes na história deste país um ex-presidente foi condenado por corrupção.

Desta vez, não se trata de mero exercício de retórica a reforçar feitos, muitas vezes imaginários, pela primeira na história do país temos um ex-presidente condenado por corrupção passiva, lavagem de dinheiro, com uma pena que quase chega a uma década, proibição de ocupar cargos públicos por quase uma década.

Este é um fato histórico, independente do venha acontecer em seguida, a página da história já foi escrita.

O infortúnio de ninguém me causa júbilo. O infortúnio que abateu-se sobre o ex-presidente não seria diferente. Se noutros casos ou situações, fico indiferente, no presente caso, não deixo de sentir pena. Não o pesar pela pessoa, mas por toda a situação, pelas decepções que o fato causa e provoca em muitas pessoas boas; pesar pela desesperança que tal condenação provoca.

Entretanto, qualquer pessoa minimamente informada sobre os fatos relacionados ao processo que culminou com essa primeira condenação do ex-presidente, sabia e/ou sabe que, de fato, o imóvel era do senhor ex-presidente.

O fato era público, notório e já tinha, até, sido noticiado por veículos da mídia.

Todos sabiam.

O porteiro disse isso em seu depoimento; os moradores ouvidos disseram isso nas entrevistas que deram; as profissionais que trabalharam na reforma do imóvel disseram isso e, também, os executivos da empresa confessaram que o imóvel era, mesmo, objeto de propina ao ex-presidente.

Repito: o fato era público.

Os corretores ao ofereceram unidades do edifício Solaris, “vendiam”, também, o fato de que os futuros adquirentes teriam como vizinhos a família Lula da Silva.

O senhor Leo Pinheiro, condenado junto com o ex-presidente no processo, foi taxativo ao afirmar que, desde que sua empresa assumiu as obras – também uma forma de livrar a cara dos ex-dirigentes da Bancoop, que desviaram os recursos da construção dos prédios para campanhas políticas do Partido dos Trabalhadores –, fora avisado que aquele imóvel estava destinado ao ex-presidente e sua família.

Não precisavam sequer dizerem isso nada.

O bom senso não suscita maiores indagações.

Quem compra imóvel sabe como estas construtoras os entregam. Nem piso colocam.

Quem já viu construtora entregar imóvel todo reformado, “ao gosto do freguês”, com direito à móveis projetados, elevador privativo, cozinha de alto padrão?

Quem já viu fazerem gastos adicionais superiores ao próprio valor do imóvel?

Registre-se que apenas uma unidade de todo o conjunto teve isso.

O bom senso já indicava que era para atender alguém muito importante. E isso confirmava o que diziam todos. As visitas da ex-primeira-dama, filhos e mesmo do ex-presidente, reforçava o sentimento geral.

A questão posta não era saber se o ex-presidente era inocente ou não. Essa situação já estava esclarecida pela clareza da realidade.

O que se discutia era se os acusadores conseguiriam provar as imputações feitas: que o ex-presidente recebera o apartamento como acerto de propina, se a suntuosa reforma fazia parte do pacote e se estavam, também, através do imóvel, lavando dinheiro.

A sentença do juiz Moro esclareceu essas questões: há sim, segundo ele, provas cabais das imputações oferecidas pelo Ministério Público. Provas capazes de fundamentar a condenação.

Ocupei-me da leitura da sentença e ao longo de 218 páginas – acho que um recorde –, o magistrado analisa os argumentos da acusação e da defesa; examina depoimentos e provas e forma sua convicção.

O decreto condenatório tem fundamentos contundentes e didáticos – diferente do que vimos noutros casos –, não se trata de uma condenação baseada em duvidosas e modernosas teses jurídicas. Há, sim, o exame de um acervo probatório, como e-mails, mensagens, perícias, fotografias, documentos e depoimentos corroborando com todos eles e formando um conjunto provas consistente.

Sim, há, também, a confissão de parte dos implicados a coroar tudo.

Aqueles que acusam o juiz de ter condenado o ex-presidente sem provas, acredito que não leram, com a devida acuidade, os termos da sentença. Ou, noutra quadra, como o fazem, desde o início do processo, tentam refutar argumentos jurídicos com uma argumentação política.

Logo que foi divulgada a sentença assisti depoimentos de inúmeros aliados do ex-presidente batendo nesta tecla: de parcialidade do julgador e da falta de provas para fundamentar a condenação.

Ora, àquela altura, pouco depois da divulgação da sentença, certamente nenhum deles tinham tido tempo hábil para leitura de toda sentença e faziam um discurso meramente político e ensaiado.

Na mesma linha foram as notas do partido do condenado e dos seus satélites. Não leram ou não são capazes de refutar a fundamentação da sentença.

Como sabiam que a sentença não estaria fundamentada? O que não é verdade.

Modestamente, entendo, que ao enveredarem unicamente pelo discurso político, sem enfrentarem os fatos colacionados na sentença, não terão muito êxito nas instâncias superiores, conforme prometeram. Pelo contrário, podem contribuir para agravarem a situação do condenado.

Mas, talvez, só lhes restem isso. Sabedores que não terão como refutar os argumentos que motivaram a condenação, tentem tumultuar ou afrontar as instituições nacionais com apelos políticos.

Então é lícito receber propina? Conceder favores a terceiros com recursos públicos? É isso que defendem? O ex-presidente possui, por ter sido um gestor popular, imunidade para roubar, receber propinas?

Segundo ouvi, prometem ir até a ONU. Sem contar a promoção de atos políticos em defesa da impunidade para o ex-presidente. Defenderão a institucionalização da corrupção como prática aceitável?

Será que não confiam nas instâncias judiciárias do Brasil? Ou será que pretendem constrangê-las na defesa de suas teses exdrúxulas?

No fundo, talvez, achem que o condenado tem todo o direito de receber propinas de empresas nacionais em troca de favorecimentos. Afinal, o que é um sítio? um apartamento? Palestras bem remuneradas? Contas secretas em nome de terceiros para usar ao bel prazer? Todos não já fizeram isso? Argumentam.

Lula também pode. Aliás, deve.

Com mais de setenta anos, ainda que a sentença seja confirmada ou agravada em segunda instância, é bem provável que o ex-presidente nunca cumpra um dia de pena. Em se tratando dele é capaz que o permita recorrer a todas instâncias da Justiça brasileira e mesmo aos órgãos multilaterais, longe do inferno do sistema prisional brasileiro.

Isso faz parte da sina. O Brasil por mais que tente ser uma nação onde todos são iguais perante a lei, sempre tem os que são mais iguais que os demais.

A estes tudo é permitido.

Em todo caso, tudo isso é muito triste. Temos um ex-presidente, o primeiro líder popular a ocupar o cargo máximo da nação, um homem capaz, ainda hoje, de mobilizar multidões, enredado e condenado num escândalo de corrupção e lavagem de dinheiro. Nunca antes na história deste país se tinha acontecido.

O Brasil não merecia isso.


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